20070216

A culpa é da monarquia

Ao ver a forma conciliadora com que o primeiro-ministro Sócrates trata a regulamentação da nova lei do aborto, que não seria em um princípio, esquecendo Cavaco, de se esperar no rescaldo de uma vitória quase absoluta do seu governo absolutamente maioritário, não pude deixar de pensar que para Espanha, no seu actual quadro de guerra civil política, seria bom terem um presidente da república em lugar de um rei. A monarquia espanhola actual é herdeira do franquismo, e é provavelmente também consequência de que Franco e os seus achavam que não seria realmente necessária a existência de um contra-poder real mais do que apenas excepcional ao governo, pelo menos de acordo com a sua mundividência fascista. O contra-poder presidencial é no entanto contra apenas do ponto de vista do governo, especialmente é claro se pertence a uma cor política oposta, mas é simplesmente um poder, com todos os efeitos relaxantes que isso supõe, para os filiados no eventual "partido com assento presidencial". O sistema parlamentar republicano, como bem exemplifica o caso português, termina por em geral facilitar as condições para que de um lado, o executivo, se veja obrigado a contemporizar, e do outro se sintam mais estimulados em realizar uma oposição menos histriónica e desesperada. Retira-se assim parte importante do ruído político pouco saudável que agora se vive em Espanha, e agora mais vivo que nunca, no momento do início do julgamento dos acusados pelo 11M, que parte das fileiras dirigentes da direita popular espanhola insiste ridiculamente em transformar em obra de uma conspiração islâmica-etarra-policial-socialista. Mas também se sabe que algumas leis que o executivo socialista de Zapatero aprovou (vendo antes o que era justo e razoável tal como outros um dia o fizeram no caso do aborto só agora despenalizado em Portugal), sem necessidade de referendos, mas tão pouco sem aprovação da maioria da população e de qualquer forma tal como vinham no seu programa de governo, não haveriam sido possíveis se houvesse agora em Espanha um sistema e uma situação política como a portuguesa actual. A verdade é que também aqui se prova que quase tudo tem um lado bom e outro mau, e a verdade também de que sem ruído, muito ou pouco, não há nozes, poucas ou muitas.

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