20070209

O referendo e o Portugal que eu conheço

Se Portugal ainda é o Portugal que creio que é, e os portugueses ainda são os portugueses que creio serem, o não infelismente ganhará no próximo referendo. Chamem-me pessimista se quiserem, mas Portugal ainda é em grande parte o das suas aldeias e vilas, aquele que lembra o nome de Salazar como eterno exemplo virtude, e o outro, das cidades, das senhoras e dos senhores das aparências, provavelmente prefira continuar em caso de necessidade a abortar em Badajoz e assim aproveitarem para fazer compras, sem colocar nunca em perigo a sua imagem de católicos conservadores. Portugal sempre foi um país provinciano, por obrigação geográfica mas também por escolha própria, e apenas terá havido uma época em que uns senhores que mandavam, gostavam muito de barcos, permitindo que um país que provavelmente era o que é entrasse ainda assim nos manuais de historia do resto do mundo. Eu sei quanto amor pelo nosso provincianismo professamos diariamente no carinho com que dizemos a palavra "portuga", e o não a despenalização do aborto não é uma declaração de amor ao feto alheio mas ao nosso "portuga" pessoal.

O primeiro-ministro Sócrates teve a coragem de falar disso. Sobre a verdade de que no próximo referendo também decidimos se uma vez mais resolvemos atrasar a nossa modernidade. Que também referendamos o conformismo com nossos defeitos, e de que aí o sim é um não e o não um sim. Os defensores do não falarão e falam desde seus púlpitos católicos apostólicos romanos que colocar a questão nestes termos é ridículo, absurdo, falseador, até mesmo provinciano... Por isso, há que reconhecer a coragem do primeiro-ministro de não fugir deste ponto, o que provavelmente seria polticamente muito mais fácil mas menos honesto. A moralidade papal, o ditadorismo de nossas éticas e religiosidades pessoais sobre o útero alheio, nada disso tem muito que ver com a modernidade e tudo que ver com nosso passado de mistificações machistas. Não creio que Portugal se tenha libertado o suficiente deste passado para votar sim este fim de semana, mas gostaria de me equivocar.

Vale a pela ler a propósito disto tudo o texto de Ana Sá Lopes no DN.

0 comentarios: